Sunday, April 04, 2010

Mentiras que parecem verdades Publicado em 04.04.2010

Mentiras que parecem verdades Publicado em 04.04.2010
Dayse de Vasconcelos Mayer
dayse@hotlink.com.br
Todas as narrativas - inclusive políticas - podem ser convertidas em histórias de amor. Uso o título da obra de Umberto Eco para afirmar que em cada uma delas a dúvida é uma só: são verdades ou são mentiras que parecem verdades?
Pensemos nos pronunciamentos de Lula sobre os mídias (execro a palavra escrita num americanismo provinciano com total descaso pelo latim "os média"). Os registros do presidente acerca das inverdades supostamente divulgadas pelos jornalistas têm sido repetitivas. A magia do PAC, por exemplo, em processo de investigação de maternidade e em segredo de justiça, tem sido o mote de preferência do atual presidente.
Mas é preciso ler e reler nas entrelinhas as declarações do Executivo. Mesmo quando ele insiste na afirmação de que somos discípulos da política do naufrágio e malfadados alunos na contabilidade dos acertos do atual governo. Mas é difícil a cristalização da verdade. Afinal, ela possui diferentes faces ou rostos.
Poucos já perceberam que Lula apenas se põe no lugar da pergunta, jamais da resposta. As suas afirmações são, na realidade, a forma que adotou de ação política. O presidente é um especialista na arte de compor arranjos. E nesse contexto de poder ele precisa revelar brilho sensatez, equilíbrio, transparência, sabedoria e uma capacidade extraordinária para a mediação e intervenção no processo político nacional e internacional. É claro que ele tem tanta chance de resolver a questão do Oriente Médio quanto algum de nós de atravessar o oceano a nado. Mas isso importa? Para o "operário", por exemplo, o grande líder fala de igual para igual com os gringos. Pode afirmar sem pudor algum: "Ontem, eu acordei irritado e liguei pro Obama..." Naturalmente, o Obama ri, o Sarkozy ri e todos riem. Afinal, os níveis de popularidade do presidente são altíssimos e os banqueiros jamais estiveram tão felizes. Pouco inteligente é o Chávez, mas esse já é um caso sem solução. Por isso a xingação mediática de Lula poderia ser equiparada ao pai que resolve ralhar com o filho quando ele comete pecadilhos sem importância. Por outras palavras, o presidente transforma os meios de comunicação em garotos imprudentes, arrelientos, atrevidos, insolentes e até patetas. Contudo, deverão ser perdoados pela opinião pública porque sem eles o piquenique sabe a coisa insossa ou é despojado de graciosidade e espontaneidade.
Brinquemos agora de psicanálise. O presidente é o analisado e a imprensa o analista. O processo ocorre na fase de transferência: o paciente converte o analista em objeto do seu amor. Tal sentimento constitui o resultado de uma nudez consentida. No instante em que Lula ingressou no consultório do terapeuta assumiu a decisão de se entregar por inteiro. E tudo aquilo que é confiado ao psicanalista é o que ele não conhece em si. Todavia, necessita compreender ou enxergar de qualquer maneira. Obviamente, todo discurso amoroso que permeia analista-analisado é prenhe de pieguice, monotonia e vazio aos olhos e ouvidos daquele que se põe no espaço exterior. Isso afirmava Barthes. Afinal, o enamorado está enclausurado em seu sofrimento e silêncio prenhe de erotismo. No rastro da sexualidade caminha o amor, no rastro do amor, a sexualidade. E o discurso que trespassa a relação é carregado de pulsão cega, muda, perdida até a aceitação final da declaração apaixonada e carregada de fé naquela correspondência da paixão ou mutualidade sempre impossível de acontecer. Recordo, a esse respeito, uma passagem de Barthes: "Ao mesmo tempo em que se pergunta obsessivamente por que não é amado, o sujeito apaixonado vive na crença de que na verdade o objeto amado o ama embora opte por silenciar". E qualquer certeza nesse plano destruiria a magia do discurso, a retórica sobre o amor e o ódio entre o analista e o analisado. Isso Lula não deseja para si, para os mídias e para Dilma, a dama em fase de moldagem e de recomposição de imagem.
» Dayse de Vasconcelos Mayer é advogada e professora universitária.

1 comment:

  1. Parabéns Drª Dayse! Não resisti e postei seu artigo. Merece e deve ser divulgado!

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